Muito Além dos 50 Tons...



Levante a mão quem não ficou curioso e até tentado a fazer uma das coisas que está em um dos livros mais famosos da atualidade! Pois é, ele acabou trazendo à tona fantasias existentes em muitas pessoas, mas também trouxe um pouco de horror a outras, mesmo não tendo sido o primeiro livro sobre a prática sadomasoquista.
Mas, o que é o sadismo e o masoquismo sexual? Qual a sua origem e explicação?
No texto a seguir, a intenção não é falar sobre o estilo de vida dos praticantes BDSM, e sim, mostrar um pouco do que o sadismo e o masoquismo representam na esfera psíquica.  Aliás, se alguém tiver interesse e curiosidade sobre o estilo de vida BDSM pode escrever nos comentários abaixo, ok? ;)
Para facilitar um pouco, vamos falar um pouco sobre o que é cada coisa.
Sadismo


A palavra tem origem no Marquês de Sade (1740-1814) e denota a excitação e prazer provocados pelo sofrimento a outra ou outras pessoas, sendo este sofrimento psicológico ou físico. Algumas pessoas que tem essa parafilia podem se sentir mal por essas fantasias, mas há quem as compartilhe com um companheiro masoquista que sentem prazer em tais atividades (veremos isso logo a seguir) e há outros que ainda colocam em prática suas fantasias em pessoas sem o seu consentimento, o que acaba envolvendo questões legais.
Tais fantasias incluem: amarrar (bondage), morder, beliscar, dar tapas, e até dar choques, cortar (escraficação) ou beber o sangue de alguém (vampirismo).
Masoquismo


A origem da palavra vem do escritor Lepold Von Sacher-Masoch (1336-1895), por causa de sua obra A Vênus de Peles (1870), onde um de seus personagens atinge o orgasmo após levar uma surra de sua esposa (RODRIGUES JR, Oswaldo). Aqui vemos o oposto do sadismo, pois a pessoa gosta de receber dor e/ou humilhações de diversos tipos.
Alguns indivíduos apenas conseguem sentir prazer com tais atividades, mas outros as deixam apenas na fantasia (HOLMES, David).
Dor no contexto social
No contexto histórico e social a dor até hoje pode ser vista por alguns como algo sagrado (RODRIGUES, Oswaldo). Os Astecas sempre faziam sacrifícios humanos, sendo que em um dos rituais mais conhecidos as pessoas a serem sacrificadas eram levadas para o topo do templo, onde os sacerdotes as deitavam sobre uma laje de pedra. O abdômen da pessoa era cortado por um dos sacerdotes que usava uma faca cerimonial capaz de atravessar o diafragma e abrir seu peito.  O coração da pessoa era arrancado ainda batendo, ou seja, a pessoa ainda estava viva (Site Hyperscinece)

Outro contexto conhecido foi o da Santa Inquisição (sec XII- séc XIX), onde se acreditava que pessoas que cometiam crimes, que tinham problemas mentais ou que eram apenas diferentes estavam com o Demônio no corpo, e para expulsá-lo era necessário tortura-las (RODRIGUES JR., Oswaldo). Aliás, a pessoa não, o Demônio que estava lá dentro (é...pois é...). Para isso havia centenas de máquinas e aparelhos de tortura, como a Faca do Herege e a famosa Dama de Ferro. Sem contar que uma das formas de morrer era ser queimado vivo ou ter os membros esticados até se desprenderem do corpo por quatro cavalos. Além disso, não era incomum as pessoas da alta classe religiosa praticar autoflagelo como uma forma de alcançar purificação.
Até hoje a dor é vista como sagrada em muitas culturas. Os Xiitas, no dia de Ashura, realizam um ritual no qual vários homens derramam o seu próprio sangue em chocantes atos de autoflagelação com batidas de facões na cabeça. Isso porque celebram o dia do martírio de Husayn ibn Ali (ou Imam Hussein), neto do profeta Maomé, na Batalha de Karbala, no século 7. Conta-se que Hussein e seus companheiros foram repetidamente atingidos na cabeça com punhais e seu sangue foi derramado sobre as ruas muçulmanas e por isso o ritual serve como forma de absolver o pecado e lamentar o fato de que eles não estavam presentes para salvar Hussein (Site Mega Curioso).
São muitas as culturas que ainda praticam a autoflagelação, e cada um com seus motivos. Mas dá para perceber que em todos os casos há algo comum: O uso da dor para se aproximar de entidades (até de Deus), ou entes queridos que se foram.
Explicações Psicológicas
A explicação psicodinâmica* para o sadismo sexual tem como base a teoria de Freud que diz que as duas pulsões básicas são sexo e agressão, sendo as energias dessas pulsões intercambiais, de forma que o sexo pode gerar agressão e a agressão pode disparar excitação sexual (Bieber, 1974; Freud 1920/1955). A passagem da agressão para o sexo pode ser uma explicação plausível para casos onde o sádico chicoteia ou bate para estimular excitação sexual. Em contrapartida, a transferência de excitação sexual para agressão pode explicar casos nos quais o sadismo acontece depois que a pessoa é estimulada sexualmente e a relação sexual já está acontecendo. Vale lembrar que atos menores de agressividade, como morder de leve ou dar tapas pode acontecer no auge do comportamento sexual normal, sendo isso a transferência sexo-agressão, ou seja, não é uma parafilia.

Mesmo a transferência sexo-agressão sendo normal, os teóricos psicodinâmicos dizem que isso ocorre mais provavelmente em pessoas que não estão no estágio de desenvolvimento sexual genital** e para quem a distinção entre impulsos ainda não ficou totalmente esclarecida. Um detalhe importante, é que foi percebido que a incidência de sadismo é mais presente em homens, pois eles têm níveis mais elevados de testosterona, o que gera maior tendência à agressão, e por isso tendem a ser mais estimulados a atos agressivos (Freud, 1905/1953). Porém, isso não quer dizer que não existam mulheres sádicas. Há muitos homens que gostam de ser dominados por mulheres, as chamadas Dominatrix. Elas podem, ou não, ter atributos fetichistas (para maiores informações, leia o texto Fetichismo).
Já a explicação para o masoquismo poderia ser a manifestação de uma outra pulsão: A de morte (Freud, 1920/1955). Alternativamente, se sugeriu que o masoquismo envolvia um direcionamento defensivo do instinto agressivo para dentro de si mesmo. Ou seja, em momentos que é excessivamente ameaçador expressar a agressão contra alguém, a agressão é expressada contra o eu. Sendo assim, pode-se concluir que o masoquista é um sádico em potencial.
De acordo com a teoria cognitiva, qualquer tipo de parafilia pode ser atribuída a um condicionamento clássico, sendo que um dos meios pelos quais o condicionamento pode levar a uma parafilia é quando a excitação sexual é emparelhada com um objeto ou atividade em particular. Por exemplo, um garoto que experimenta excitação sexual ao ser punido. O emparelhamento conduz a uma ligação entre punição e excitação sexual, e pode se estender na vida adulta, fazendo com que ele procure situações de punição para extrair essa excitação sexual. Logo, o hábito condicionado de usar o objeto ou a atividade parafílica para obtenção de prazer será desenvolvido (Holmes, 1997).

Também há outra explicação para o comportamento masoquista. Ela diz que pessoas com essa parafilia podem não ter tido muita estimulação tátil na infância, e por isso passam a buscar algum estímulo mais "forte"- é como se no inconsciente estivesse registrado que é melhor ter uma atenção dolorosa a não ter atenção nenhuma (Oswaldo Rodrigues Jr, 1991).
Mas, se engana quem acha que as pessoas precisam ter algum distúrbio pode desenvolver o sadismo ou o masoquismo. Foram reportadas pessoas que tinham esses desejos de forma parafílica (apenas sentiam prazer sexual com essas situações) e era bem ajustadas social e intelectualmente.
E aí? Ainda tem alguma dúvida? Sabe de alguma teoria que não está aqui? Entre em contato que terei o maior prazer em responder! =D
Um beijo!

*Psicodinâmica é o estudo e teorização sistemáticos das forças psicológicas que agem sobre o comportamento humano, enfatizando a interação entre as motivações consciente e inconsciente. O conceito original de "psicodinâmica" foi desenvolvido por Sigmund Freud.
** Fases psicossexuais do desenvolvimento humano:
-Fase Oral (0-18 meses de idade): criança sente prazer ao sugar objetos como mamadeiras e chupeta. Vale salientar que o prazer não é sexual, é de liberação de tensão.
-Fase Anal (1 e 3 anos):  a atenção da criança se volta para os processos de evacuação, quando os pais começam o treinamento de usar o vaso sanitário. A criança pode ganhar aprovação ou expressar rebeldia ou agressão "segurando" ou "liberando". Fase decisiva em pessoas que desenvolvem o sadismo ou masoquismo.
-Fase Fálica (3 e 6 anos): interesse no próprio corpo e no do outro. A criança se sente atraída pelo seu genitor de sexo oposto. Em homens, a atração leva ao Complexo de Édipo, quando meninos sentem uma rivalidade com seu pai pelo amor da mãe, e na mulher acontece o mesmo, mas pode ser chamado de Complexo de Electra.
-Fase de Latência (6 anos até a puberdade): o desenvolvimento psicossexual se encontra em menor atividade, portanto é um momento mais tranquilo comparado com os seis primeiros anos de vida. O estágio de latência é resultado, em partes, das tentativas dos pais de desencorajar a atividade sexual em seus filhos. Se isso tiver tido sucesso, as crianças reprimirão seu impulso sexual dirigindo sua energia psíquica para a escola, as amizades e outras atividades não sexuais.
-Fase Genital (a partir dos 12 anos): começa a ocorrer um aumento das energias sexuais, ativando os conflitos não resolvidos dos anos anteriores. Por este motivo a adolescência pode ser povoada de emoção e conflitos. Após essa fase, entra-se na idade adulta, com a sexualidade formada.

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